


Há rios na Beira? Descem da Estrela. Há queijo na Beira? Faz-se na Estrela. Há roupa na Beira? Tece-se na Estrela. Há vento na Beira? Sopra-o a Estrela. Há energia elétrica na Beira? Gera-se na Estrela. Tudo se cria nela.
Miguel Torga (1907-1995)
Em Santa Marinha, Seia, entre penedos e memórias, ergue-se um edifício do século XVIII que já foi Câmara, cadeia e tribunal. Três séculos de histórias estão guardadas entre paredes de pedra, e agora contam mais uma: a da Ovelha Serra da Estrela e de quem a guia com as mãos, o corpo e o tempo. Neste lugar, a história faz-se matéria. Ao longo de três pisos, o visitante mergulha numa experiência sensorial, crua e imersiva — da lã ao leite, do pasto à dignidade de quem cuida.
Santa Marinha foi eixo do Império. Aqui cruzavam-se os caminhos de agricultura, da pastorícia e da lã. Terra de transumância, sempre de passagem e sempre de permanência. O Centro Interpretativo da Ovelha Serra da Estrela nasceu em 2023 para honrar o território, a ovelha e os pastores. É uma iniciativa conjunta do Museu do Pão e da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, cujos projetos de economia social valorizam as origens e a Serra da Estrela, dignificando o trabalho dos pastores que mantêm a serra viva.
Porque preservar não é guardar no tempo. É dar-lhe continuidade.
Terá chegado à Península Ibérica por volta de 5.000 a.C., vinda do Médio Oriente e desde então, tornou-se peça-chave da vida na serra — não só na economia, mas também na cultura deste território. No século XX foi criado o livro genealógico, regulou-se a reprodução e hoje a raça é protegida e valorizada. Existem cerca de 21.500 ovelhas Serra da Estrela, cuidadas por 260 pastores.
É a raça com maior aptidão leiteira do país. Do seu leite nasce o tão afamado Queijo Serra da Estrela DOP. E com ela resistem ofícios antigos: o pastor, a queijeira, o criador, o tecelão, o agricultor. Gente que faz do saber fazer um modo de vida.
A Ovelha Serra Da Estrela
Nasceu na Serra e herdou o nome da montanha que a viu crescer. Há milhares de anos que acompanha o pastor, desde os caminhos da transumância até aos socalcos da Estrela. Moldada pelo tempo e pela dureza do território, a Ovelha Serra da Estrela é muito mais do que um animal: é identidade.
As duas economias da Ovelha
É o queijo mais antigo de Portugal. Já no século XIV era elogiado nos textos de Gil Vicente. E foi D. Dinis, em 1287, quem mandou criar a primeira queijaria oficial, reconhecendo o valor desta terra e deste produto.
Tudo começa no pasto. A ovelha é ordenhada diariamente e o leite é levado para a queijaria. Ali é coalhado com flor de cardo silvestre e sal. Depois, é colocado manualmente em panos e “cinchos”, que ajudam a separar o soro do coalho. O queijo é prensado e depois ficar a maturar em tábuas de madeira, em locais frescos e sombrios, durante 30 a 40 dias, sendo virado e lavado à mão todos os dias. Quando jovem, tem textura amanteigada e sabor acidulado. Com o tempo, torna-se mais firme, intenso e picante — é o “Queijo Velho”.
O Queijo Serra da Estrela tem Denominação de Origem Protegida (DOP), um certificado que garante a sua autenticidade. Foi eleito uma das 7 Maravilhas da Gastronomia de Portugal e é feito hoje como sempre foi: leite, flor de cardo, sal e mãos que sabem o tempo certo de ordenhar, prensar, virar, lavar e esperar. Tudo o resto é alma.
Tudo começa na Primavera, com a tosquia. A lã é cortada rente à pele, aproveitando-se ao máximo o comprimento da fibra. Depois, escolhe-se a melhor lã de cada velo, consoante a finura e o que se quer produzir. Segue-se a lavagem para remover poeiras, gorduras naturais e restos vegetais e depois, a cardação: as fibras são separadas e desembaraçadas com duas escovas de picos em movimentos contrários.
A lã é então fiada — as fibras são torcidas e esticadas até ganharem forma de fio e o fio pode ser retorcido para ganhar resistência. Segue-se a lavagem das meadas, que ficam finalmente prontas para serem tingidas de cor. Por fim, as meadas passam para a dobadoura: um engenho em madeira onde, em movimento circular, o fio se transforma num novelo, pronto a ser tecido ou tricotado.
A lã é isto: simplicidade, resistência e sabedoria que ainda hoje se enrola nas mãos de quem herdou o jeito.

O Queijo Serra da Estrela DOP
Muito antes de Portugal ser Portugal, já o Queijo Serra da Estrela alimentava pastores e exploradores.
De alimento humilde, tornou-se um símbolo maior da nossa gastronomia.
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A Lã: Da Tosquia Ao Novelo
A lã sempre andou de mãos dadas com a pastorícia. Durante séculos, os pastores usaram-na para fazer panos de burel — quentes, resistentes e feitos para durar. Era com eles que se enfrentava o frio, o vento e o tempo da serra.
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Transumância
A Serra da Estrela é o último reduto vivo da transumância em Portugal.
Este movimento ancestral leva, ainda hoje, rebanhos a procurar pastos frescos em diferentes altitudes, seguindo os ritmos das estações do ano. Durante séculos, a transumância traçou rotas, ligou comunidades e moldou a paisagem.
No verão, os pastores subiam à serra, dormiam em choupanas e guardavam o pão nas rochas graníticas — as “Arcas do Pão”. No inverno, desciam com as ovelhas para os vales, num percurso duro que durava dias.
Depois de um longo declínio, a transumância começa agora a renascer — com novos pastores, novas rotas e a mesma vontade de manter viva uma tradição que distingue este território e o saber de quem o habita.


O Pastor
O pastor da Serra da Estrela enfrentou séculos de invernos duros, secas longas e promessas curtas. Entre rebanhos, transumâncias e solidão, manteve viva uma das práticas mais antigas do mundo: a pastorícia.
Muitos herdaram o ofício de pais e avós. São donos de pequenos rebanhos, trabalham por paixão, e sacrificam-se todos os dias por um saber que não se aprende em livros.
A literatura portuguesa reconheceu-lhes esse lugar. Foram cantados nas cantigas medievais, nos autos de Gil Vicente e na poesia bucólica dos séculos XV e XVI. Chamavam-lhes “senhores da liberdade”, mesmo quando a vida era feita de silêncio e pedra.
Hoje, continuam a sair para o monte, com o cão Serra da Estrela ao lado e de cajado na mão. Alimentam os rebanhos nos prados de vegetação espontânea, como sempre se fez.
Sentam-se num trono de pedra, onde veem nascer a vida pelas encostas — como escreveu Oliveira Martins. São eles os guardiões da serra, da ovelha, do queijo e de tudo o que resiste.
Morada e Contactos
Rua da Igreja 36, Largo do Pelourinho
6270-196 Santa Marinha, Seia
+351 910 296 326 (Chamada para a rede fixa nacional)
Horário
Sábado e domingo: 10h – 18h