objetos com história
- arquitetura e decoração -

Escrivaninha de viagem
Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, Torre, Serra da Estrela
As nossas raízes em Seia, na Serra da Estrela, inauguraram a primeira página da nossa História, em 2002, com a abertura do Museu do Pão. O prefácio deixava adivinhar o protagonista silencioso que a seu tempo haveria de ter a homenagem merecida: os pastores da Serra da Estrela. Conhecendo a dura realidade desta profissão para a qual não há férias, feriados ou fins de semana porque as ovelhas têm que pastar todos os dias, encontrámos a oportunidade de contar a sua história através da Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, em 2015, com a abertura da primeira loja em Lisboa, a que se seguiram mais oito, resolvendo assim o problema do escoamento e valorização do queijo Serra da Estrela DOP, ao mesmo tempo que assegurava aos pastores uma remuneração justa pelo litro de leite.
Resolvido o problema do queijo, urgia encontrar uma solução para a lã. Sendo a tosquia um processo inevitável do qual depende a sobrevivência da ovelha, este constituía um prejuízo por configurar um custo superior àquele que era conseguido com a venda da lã. Em 2021 estabelecemos um protocolo com os pastores através da Ancose, válido por 50 anos, para a compra de toda a lã das ovelhas Bordaleiras da Serra da Estrela, a um valor 1000% acima, permitindo-lhes cobrir os custos da tosquia e finalmente lucrar com a lã vendida. A totalidade da lã foi utilizada para produzir almofadas em 100% lã que são simultaneamente um cartão de visita da Serra da Estrela e o expoente máximo da economia circular e da sustentabilidade. Assegurar a continuidade da pastorícia e da raça Bordaleira abria assim um novo capítulo, materializado na mais simbólica das localizações: a Torre, na Serra da Estrela.
Esta escrivaninha de viagem, ergonomicamente inclinada para facilitar a escrita, data do terceiro quartel do séc. XIX. Fechada é apenas uma caixa de boa madeira decorada com elegantes embutidos de latão. Aberta, revela-se uma peça verdadeiramente especial: uma dupla cercadura dourada embeleza o revestimento de cabedal que garante a fluidez da escrita, a que dois tinteiros e um compartimento para a caneta dão suporte. Numa peça destinada ao uso regular em tempos idos, as pequenas abas de latão, quando pressionadas, permitiam o acesso ao armazenamento de documentos no interior. Está na Serra da Estrela, justamente, porque esta História começou a escrever-se há milhares de anos nos montes Hermínios, com Viriato, pastor e herói lusitano que ali enfrentou os desígnios da expansão romana. Em 2022 voltámos ao lugar onde sempre fomos felizes e escrevemos, nas linhas do tempo desta escrivaninha, mais um capítulo da nossa História, orgulhosamente ao lado dos descendentes do ofício de Viriato. Sem epílogo, porque o melhor, acreditamos, ainda está para vir.