objetos com história
- pintura -

Varina, António Soares

Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau, Clérigos, Porto

O início do séc. XX foi marcado por uma enorme mudança de paradigma na Europa. A Segunda Revolução Industrial trouxe grandes invenções como a luz elétrica, as cidades cresceram fruto da industrialização e da efervescência tecnológica e a ciência avançou de forma notável. Também no campo da arte se assistiu ao início de uma nova era a que Portugal não foi indiferente, com o florescimento de novas vertentes artísticas trazidas do resto da Europa, em busca de um novo significado.

Muitos artistas romperam com a tradição fazendo experimentações com novos materiais e técnicas, abrindo caminho para a arte moderna. Foi o caso de António Soares (1894-1978), que já nasceu modernista. Viveu e respirou arte, mesmo quando ainda não sabia da sua existência. As suas origens humildes não lhe ofereceram a possibilidade de adquirir formação académica, mas o talento era nato e rapidamente se revelou no rasgo boémio que caracterizou a sua obra, marcada pela diversidade: do desenho em jornais e revistas, António Soares dedicou-se também à ilustração, à decoração de interiores de teatro e cinema e à pintura. Contemporâneo de Fernando Pessoa, de quem era amigo íntimo, António Soares foi um dos mais relevantes pintores portugueses da primeira metade do séc. XX; é dele o retrato de Natacha Baltrina, considerada a primeira obra modernista portuguesa. Foi à mesa do café n’A Brasileira do Chiado que António Soares fundou o movimento modernista português, com outros artistas. Durante quase cinco décadas, A Brasileira – considerada o primeiro museu de arte moderna em Portugal, expôs telas de António Soares, Almada Negreiros e Eduardo Viana, entre outros, cujas obras Columbano Bordalo Pinheiro, pintor e diretor do Museu Nacional de Arte Contemporânea na época, considerava um ultraje à arte, apesar dos quadros de António Soares revelarem uma cor contida e surda, invocando o legado do próprio Columbano.

As suas inquietudes modernistas levaram-no a pintar a Varina, a figura mítica da venda ambulante de peixe que ainda hoje vive no nosso imaginário. Em exposição na Casa Portuguesa do Pastel de Bacalhau no Porto, esta mulher popular de caráter desinibido e irreverente personifica a liberdade dos costumes na sua postura afirmativa e despida de preconceitos, espartilhos ou convenções, numa analogia com o que foi a arte moderna para António Soares, para Portugal e para o mundo.