A Brasileira do Chiado


Tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Fernando Pessoa (1888-1935)
A Brasileira é o coração vivo do Chiado – um marco literário, arquitetónico e artístico que atravessa gerações e permanece fiel ao charme e à elegância de outros tempos. Mais do que um dos cafés mais antigos de Lisboa, é o mais emblemático. Um espaço onde a memória da cidade se serve à mesa, e onde um café – uma “bica” – continua a convidar à pausa e à conversa, sob o olhar silencioso de Fernando Pessoa.
História d’A Brasileira
Inaugurada a 19 de novembro de 1905, no coração do Chiado, A Brasileira nasceu onde antes existira uma camisaria. Foi fundada por Adriano Soares Telles do Valle (1859–1932), natural de Alvarenga, que partira para o Brasil em 1872 onde se casou com a filha de um dos maiores produtores de café da região de Minas Gerais, tornando -se um reputado fazendeiro, negociante e homem de cultura.
De regresso a Portugal em 1898, por motivos de saúde da esposa, Adriano Telles trouxe consigo o negócio do café e a vontade de o dar a conhecer ao público português que, habituado ao café africano, considerava o café brasileiro demasiado amargo. Adriano Telles criou uma rede de casas A Brasileira no Porto, Coimbra, Braga, Sevilha e, naturalmente, Lisboa, no Rossio e no Chiado, onde servia café à chávena gratuitamente a quem adquirisse outros produtos para desmistificar junto dos portugueses o gosto pelo café do Brasil. O gesto, pioneiro e visionário, depressa criou hábitos e deu origem a um novo ritual.



A Brasileira distinguiu-se desde o início pelo requinte da sua arquitetura. Encomendado ao arquiteto Manuel Norte Júnior, o projeto da fachada e a decoração interior seguiam o gosto parisiense da época. Era um espaço de elegância, pensado para receber quem pensava a cidade: advogados, médicos, professores, artistas e escritores ali se reuniam, bem como os protagonistas da implantação da República.
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Nas décadas seguintes, A Brasileira firmou-se como ponto de encontro intelectual. Em 1920, a revista Ilustração Portugueza descrevia as discussões travadas nas suas mesas como “suaves e ponderadas”. Mas a intensidade criativa do tempo também se fez sentir: houve quem assistisse ao arremesso de cadeiras entre Aquilino Ribeiro e Alfredo Pimenta. O certo é que, como escreveria Alfredo Marques, “não havia problema literário ou artístico que não encontrasse n’A Brasileira os melhores estudiosos”.
Foi ali que os modernistas encontraram um dos seus primeiros palcos. Três anos antes da primeira Conferência Futurista, Almada Negreiros já referia o grupo da revista Orpheu como “um bando de loucos inofensivos”. E foi n’A Brasileira que esses “loucos” ganharam expressão.
Fernando Pessoa começou a frequentar A Brasileira com regularidade a partir da década de 1920, tornando-se presença habitual nas suas mesas, sempre discreto, sempre atento. Escolhia os cantos mais resguardados, onde lia, escrevia ou simplesmente observava. Foi nesse ambiente vibrante e literário que Pessoa escreveu muitos dos seus textos e onde, segundo alguns testemunhos, terá dado corpo e voz a várias das suas múltiplas personagens. A sua ligação ao café tornou-se tão simbólica que, por ocasião do centenário do seu nascimento, em 1988, viria a ser imortalizada na estátua de bronze que hoje o representa na esplanada, como se nunca de lá tivesse saído.



Adriano Telles continuaria, ao longo da vida, a apoiar a arte e a imprensa. Lançou o quinzenário A Brasileira e, em 1925, encomendou uma série de obras a jovens pintores modernistas portugueses. Almada Negreiros, António Soares, Jorge Barradas, Bernardo Marques, Stuart Carvalhais, José Pacheko e Eduardo Viana assinam um conjunto de telas, transformando A Brasileira no primeiro museu de arte contemporânea da cidade. A escolha, à época, causou polémica: as obras, recusadas pelo Museu Nacional de Arte Contemporânea, encontraram n’A Brasileira o seu espaço natural.

Em 1971, um novo ciclo decorativo foi iniciado com base numa proposta de Joachim Mitnitzky. Artistas contemporâneos foram convidados a intervir, refletindo as tendências dos anos sessenta: abstratos, figurativos, letristas e representantes do neofigurativismo — como Rui Mário Gonçalves viria a descrever. E as paredes d’A Brasileira ganharam nova vida com obras de Manuel Baptista, Fernando de Azevedo, Nikias Skapinakis, Vespeira, António Palolo, Noronha da Costa, João Vieira, Eduardo Nery, Joaquim Rodrigo, Carlos Calvet e João Hogan.

Foi também n’A Brasileira que terá nascido o termo “bica”, numa possível abreviatura de “beba isto com açúcar”, numa versão mais popularizada. Noutra versão, mais credível, atribui-se o nome à própria máquina, de onde o café corria para a chávena diretamente da bica (torneira) reforçando a autenticidade da experiência, sem ter que passar por uma cafeteira para servir à mesa cuja transição prejudicava a qualidade do café.
Classificada como Imóvel de Interesse Público desde 1997, A Brasileira é um dos três únicos cafés históricos de Lisboa que atravessaram o século XX e se mantêm em atividade. Em 2017, recebeu o galardão «Lojas com História», atribuído pela Câmara Municipal de Lisboa.


Hoje, Fernando Pessoa continua a habitar este espaço — na estátua da esplanada, nos seus óculos em exposição e na edição especial de Mensagem, a obra maior do poeta, publicada em versões bilingue pel’A Brasileira.
Em 2021, o MNAC – Museu Nacional de Arte Contemporânea assinalou os 50 anos da colocação das obras modernistas n’A Brasileira com uma exposição dedicada a esse momento marcante da arte portuguesa. Em 2023, o ilustrador Nuno Saraiva eternizou A Brasileira numa toalha de mesa com traços da vida no Chiado — uma homenagem a Lisboa, feita por quem a vive.
Em 2025, assinala-se o centenário da primeira geração de quadros modernistas que Adriano Telles fez chegar às paredes d’A Brasileira, em 1925. Para celebrar a data, foi lançado um Prémio de Pintura, em parceria com o programa «Lojas com História», da Câmara Municipal de Lisboa. António Faria, Catarina Mendes, Catarina Oliveira, Filipe Amaral, Isabella Navarro, Margarida Botelho, Martim Melo de Vilhena, Nelson Ferreira, Rui Braz e Sara Conde foram os grandes vencedores. As 10 obras distinguidas estão em exposição no café até ao final do ano, enquanto as obras históricas de 1971 seguiram para restauro, retomando o seu lugar nas paredes do café em 2026.

Ainda em 2025, A Brasileira lançou a primeira edição de Mensagem alguma traduzida para hindi, o terceiro idioma mais falado em todo o mundo. Primeiro no auditório da Fundação José Saramago e mais tarde no Instituto Camões, numa colaboração inédita com a Embaixada da Índia.
Hoje, como sempre, A Brasileira mantém-se fiel à sua vocação cultural. Com sede emocional do jornal Mensagem de Lisboa, dá também palco à diversidade do país através do quiosque de jornais regionais, que traz Portugal inteiro para a mesa do café.
Mais de um século depois, continua a cumprir o seu desígnio: ser lugar de encontro e de ideias. Um espaço onde a cultura e a economia se fundem com inteligência e beleza — e onde a arte ganha novos públicos, enquanto o café mantém a alma antiga. Porque basta uma mesa sextavada, dois dedos de conversa e uma bica para que A Brasileira continue, todos os dias, a fazer história.
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Desde 1905, A Brasileira é sinónimo de café – não apenas enquanto bebida, mas como gesto, hábito e ponto de encontro na cultura portuguesa.
Fiel à visão do seu fundador, Adriano Telles, o café servido n’A Brasileira mantém a ligação às origens: grãos criteriosamente selecionados, com especial destaque para os do Brasil, onde o saber do cultivo e da torra se traduz num lote exclusivo, de aroma profundo e doçura equilibrada. A carta convida a saborear o tempo. Do pequeno-almoço na esplanada, dos pratos clássicos como o Bife à Brasileira de que Fernando Pessoa tanto gostava, à pastelaria tradicional, tudo se cruza com o café.
Fernando Pessoa
(1888-1935)
Fernando António Nogueira Pessoa nasceu em Lisboa, a 13 de junho de 1888. O falecimento precoce do pai, quando tinha apenas cinco anos, marcou-lhe a infância e moldou uma personalidade introspetiva, onde o silêncio e a imaginação se tornaram refúgio.
Com sete anos, acompanhou a família até Durban, na África do Sul, onde viveu durante nove anos. Foi ali que recebeu uma educação inglesa e absorveu a cultura que mais tarde viria a fundir com a tradição portuguesa. Regressou a Lisboa em 1905 – o mesmo ano em que A Brasileira se instalava no Chiado – trazendo consigo uma sensibilidade rara, feita de exílio e de lucidez.
Fernando Pessoa tornou-se presença habitual n’A Brasileira. Escolhia os recantos mais discretos, onde lia, escrevia, observava. Ali encontrou não apenas o café, mas um ponto de abrigo, de escuta e de reflexão. Entre uma “bica” e dois dedos de conversa, assistiu-se à génese de muitos dos seus textos – e à metamorfose do poeta num dos maiores vultos da modernidade literária.



Pessoa desdobrou-se em mais de uma centena de pseudónimos, alter-egos e, sobretudo, heterónimos — personalidades completas, com biografia, ideologia, profissão e voz próprias. Havia entre eles escritores, astrólogos, médicos, frades ou filósofos. Essa fragmentação tornou-se o traço mais original e inquietante da sua obra.
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Sobre esse fenómeno, escreveu: “um traço de histeria que existe em mim. (…) A origem mental dos meus heterónimos está na minha tendência orgânica e constante para a despersonalização e para a simulação.”
Fernando Pessoa, que desejava “ser tudo de todas as maneiras”, morreu em Lisboa a 30 de novembro de 1935, com apenas 47 anos. Grande parte da sua obra só seria conhecida depois da sua morte, quando se abriu a célebre arca de madeira que guardava milhares de páginas por descobrir — um legado literário ímpar que transformaria para sempre a literatura portuguesa e universal.
No interior d’A Brasileira, expõem-se os óculos com que escreveu Mensagem, adquiridos à família do poeta, e uma rara primeira edição dessa obra singular: o único livro que Pessoa publicou em português, em vida. Pela sua relevância literária e simbólica, Mensagem foi editada pel’A Brasileira em edições bilingue (português, inglês, francês, espanhol, italiano, alemão, mandarim e hindi), disponíveis apenas no Café – um tributo contínuo ao génio que, ao partir, deixou como última frase: “Dá-me os óculos…”.


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